Senti alguém me cutucando fortemente e acordei assustado, sacudindo levemente a cabeça.
- Senhor Jonas? Já é dia e você não foi para casa, o que acha de tomar um café? - uma moça jovem com um aspecto cansado perguntou.
- Ah, não obrigada, eu só preciso ir ao banheiro e falar com o médico da Senhora Jonas... - respondi.
- Tudo bem, o banheiro é a segunda porta à direita, assim que terminar, fale com a recepcionista para que ela possa chamar o médico da Senhora Jonas, ok?
- Certo! - respondi e caminhei calmamente para o banheiro, afinal eu precisava lavar o rosto pra melhorar um pouco o aspecto... voltei rapidamente para a recepção e falei com a recepcionista - Então moça, eu posso falar com o médico da Senhora Jonas?
- Só um minuto, pode sentar ali e aguardar que logo ele vem... - ela disse.
Sentei na poltrona e encostei o meu pescoço no encosto para fitar o teto e pensar em Demi. De fato eu não havia, nunca, em todos esses anos de minha vida, visto alguém com tanta beleza interior e exterior quanto Demi. Seu sorriso, inesquecível como a brisa da manhã na primavera. Eu não aguentaria muito longe dela.
- Senhor Jonas? Mandou me chamar - o médico perguntou apagando meus pensamentos.
- Ah, sim...
- E então?
- Olha,a Demi não consegue se lembrar de mim, só de mim, ela se lembra de todos os outros, até do pessoal que trabalha com ela na copiadora, mas não lembra de mim que sou o seu marido, ela lembra da nossa filha... e ontem quando fui visitá-la à noite, por um tempo eu achei que ela fosse se lembrar porque ela tinha começado a confiar em mim, mas de repente, ela começou a gritar e me mandou sair de lá, então eu estou confuso e peço que o senhor me diga algo que possa acabar com essa agustia minha... - fiz uma pausa para dar um respiro profundo.
- Bom, Senhor Jonas, eu não faço ideia do porquê que ela só não reconhece você, mas eu te peço que tenha calma porque eu e os outros médicos neurologistas estamos estudando o caso dela minuciosamente, mas por enquanto ela vai ter que ficar aqui no hospital até que tenhamos realizado todos os exames.
- Claro, Doutor, ela vai ficar o tempo que for necessário desde que isso seja bom pra ela e pra sua saúde... muito obrigada, mas agora, eu posso ir visitá-la?
-Vá. Ela já está acordada e me pareceu bem feliz quando fui vê-la há alguns minutos...
Meu coração deu um pulo forte, como se tivesse parado há um tempo e de repente tivesse sido reanimado por um desfibrilador.
- Obrigado, Doutor - respondi e caminhei quase correndo para o quarto de Demi.
Como nas outras duas vezes que eu havia chegado àquela porta, hesitei por algum tempo antes de entrar, fiz um prece pra Deus para que ele me abençoasse e abri a porta devagarinho, e ela estava lá, fitando o teto novamente. Dessa vez tentei fazer diferente.
- Posso saber o que essa bela dama está pensando? - perguntei.
Ela se virou rapidamente e me encarou com as feições assustadas.
- Não tenha medo, bela dama, está tudo bem, eu não vou te machucar.
- Oi homem bom, você é o homem bom dos meus sonhos... - ela me encarou.
Olhei dentro de seus olhos e tentei encontrar o que estava se passando pela sua cabeça.
- Está tudo bem com você? - perguntei dando alguns passos para que pudesse me aproximar dela e um pouco hesitante com medo de que ela começasse a gritar...
-Sim, está tudo bem comigo, e com você? Acho que você é um anjo, e anjos estão sempre bem, certo?
- Talvez - respondi pensativo - você pode me contar o que sonhou?
- Ué, você é um homem bom. Estava vestido com uma roupa branca e ajudando crianças carentes na rua, depois eu estava caída num canto, sozinha, e você veio me levantar e me proteger, você é um homem bom - repetiu.
- E você não lembra de ter gritado ontem comigo? - incitei.
- Não, é a primeira vez que o vejo... - respondeu tranquilamente - Quer se assentar? Há um poltrona aí no canto.
- Claro, e então? Sobre o que está afim de conversar? - puxei a poltrona para um pouco mais perto da cama dela.
- Ah, me fale sobre o que você gosta de fazer...
- Gosto de fazer várias coisas, por exemplo, cantar... eu tenho uma filha e eu gosto bastante de brincar com ela - falei.
- Ah, que legal, você tem uma filha? Eu também tenho uma filha que se chama Mitchie, ela é uma princesa. Como a sua se chama? - perguntou inocentemente.
- Uhm - pensei - uhm... - hesitei pois estava com medo de dizer Mitchie e ela começar a gritar comigo - uhm...
- Esqueceu o nome da sua própria filha, moço bom?
- Não, não - que coisa mais constrangedora - não, ela se chama Mitchie também...
- Ah, que legal, temos gostos parecidos, acho lindo esse nome!
- É lindo mesmo, fui eu que escolhi esse nome pra minha filha, mas me conte, como é o nome do pai dela? - provoquei.
- Bom, eu sei que eu tive um acidente e eu sei que a minha filha tem um pai, e eu sei também que ele é meu marido, mas que eu não faço ideia de quem ele seja, porque a minha mente está esquisita...
- Uhm... isso é estranho, mas você não consegue se lembrar de nada? Nem de um fiozinho?
- Não, é como se ele nunca tivesse existido na minha vida...completamente apagado - respirou e olhou para o teto pensativa - moço bom? Você conheceu a minha família?
- Conheci - respondi cuidadosamente.
- Você pode me falar um pouco sobre ela?
- Posso. Bom, o seu marido, se chama Joe e ama você mais do que qualquer coisa na vida dele, um dia antes de acontecer esse acidente com você, vocês brigaram por culpa dele, e ele ficou muito triste e nesse momento ainda está com um peso enorme na consciência, por ter sido infantil com você. Ele também ama muito a filha de vocês e faria qualquer coisa pelas duas, inclusive morreria. Basicamente, acho que é isso.
- Moço bom, você acha que eu vou me lembrar dele?
- Eu espero que sim, pois ele não aguenta mais de saudades de você e do seu abraço, e ele quer muito que você o perdoe!
- Se ele me ama realmente como você disse que ele ama, com toda a certeza do mundo eu o perdoarei - suspirou levemente - será que você pode me dizer seu nome? Ainda quero me lembrar de você por muito tempo...
- Meu nome é Adam - respondi rapidamente por impulso.
- Moço bom? Você se importaria se eu dormisse? Estou com bastante sono... - bocejou.
- Não me importo - menti - está tudo bem - não, não estava, pois eu sabia que ela acordaria completamente diferente, mas por quanto tempo eu poderia segurá-la acordada?
Ela virou-se com dificuldade para o outro lado e aos poucos fechou os olhos e entrou em sono profundo. Me aproximei dela, e naquele momento desejei que fôssemos como "A princesa e o sapo'', que se eu a beijasse, tudo voltasse ao normal. Cheguei mais perto e senti o cheiro de morango de seus cabelos, e sinceramente, não sei como ela conseguia ser bela até naquela situação; virei meu rosto lentamente e encontrei seus lábios, aqueles que ainda me faziam delirar apesar de nossas brigas, encostei os meus nos seus e logo me separei, não queria que ela acordasse morrendo de gritar comigo. Voltei a me sentar na poltrona e a pensar na vida. Ela demorou horas para acordar, mas eu esperei intacto e quando vi as suas pálpebras se abrirem, quase entrei em pânico com medo do que viria a seguir...
Ela piscou algumas vezes se acostumando à claridade e depois virou o rosto para a minha direção.
- Ei moço bom? - ela disse me aliviando - Você ainda está aí?
- Estou.
- Por que não vai pra casa cuidar da sua filha? Ela deve estar sentindo sua falta... eu tive um sonho estranho com você - disse pensativa.
- Ah é, e o que tinha nesse sonho?
- Você me beijava...
